quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
LIBERE JÁ!
Especialista no atendimento e proteção de crianças e adolescentes, o Desembargador Siro Darlan fala à Rádio Manchete sobre um dos temas mais controversos do combate às drogas: a descriminalização controlada dos entorpecentes
por Daniel Gonçalves e Anderson Ramos
Drogas. Elas estão inseridas em todas as camadas da sociedade. Não há predominância de idade, cor, raça ou nacionalidade. São consumidas sem limites, gerando lucros milionários, guerras sem fim, mortes inocentes e o total abandono da cidadania. Mas de quem é a culpa? Dos usuários, pois sem consumo não há venda? Dos traficantes que comandam o mercado de entorpecentes? Da polícia, ineficaz na repressão? Dos líderes mundiais, incapazes de eliminar essa epidemia respeitando os limites da diplomacia? Dos sul-americanos no comércio da “branca colombiana”, como a cocaína é chamada? Dos afegãos, pois o ópio produzido lá mata 100 mil pessoas ao ano? Dos americanos que fizeram da heroína vietnamita o combustível para soldados suportarem o horror dos campos de batalha? Desde a década de 1950 não se fez muita coisa a não ser discutir de quem é a culpa pela disseminação das drogas. Poucos ousaram ou tiveram inteligência para apresentar soluções cabíveis. E já não é pequeno o movimento daqueles que defendem a liberalização das drogas como o começo de uma possível salvação. Políticos, artistas e autoridades levantam cada vez mais a bandeira da descriminalização dos entorpecentes. O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Siro Darlan, é uma dessas pessoas. Ex-titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, Darlan é cauteloso quando diz que a possibilidade de liberar o consumo de drogas precisa ser bastante debatida antes de tomar forma. Porém, para justificar sua posição, apresenta argumentos embasados na experiência de quem trabalha há anos no combate à erradicação da pobreza, das desigualdades, da criminalidade, e, em especial, da melhoria das condições de vida de crianças e adolescentes. Diz que nunca usou drogas, “embora tivesse tido acesso quando estudante”, mas credita à educação e informação o fato de ter passado longe do vício. Siro Darlan sabe que não há mais tempo a perder. Algo precisa ser feito. “Eu não estou propondo apologia às drogas. Estou propondo uma maneira eficiente de combater as drogas”. Como? É o que você confere a seguir:
A proibição do consumo de drogas aumenta a violência?
Os oficiais da Polícia Militar foram fazer um curso de guerrilha na Colômbia. Então isso demonstra que nós estamos num estado de guerra. Isso alimenta o interesse deliberante na manutenção da proibição. E essa proibição alimenta a terceira maior economia do planeta, que é das drogas. E por que nessa economia circula tanto dinheiro, tantos recursos? Por causa da proibição. Os EUA mantêm suas guerras à custa de drogas. No Vietnã os veteranos de guerra voltaram viciados porque o próprio exército americano alimentou a tropa com heroína, ópio e cocaína pra aguentar o combate. Então é hipócrita essa luta contra as drogas, que resulta na morte de tantas pessoas inocentes.
Então o senhor acredita que a guerra armada contra o tráfico não é o melhor caminho?
No que resulta essa guerra que está aí? Primeiro em uma das maiores máquinas de corrupção do planeta. O bandido corrompe a polícia, a polícia corrompe a justiça. Então há uma sociedade corrompida pelo interesse econômico das drogas. Observe o que aconteceu nos EUA na década de 1930, quando era proibido o consumo de bebidas alcoólicas. Com a legalização do uso do álcool, as primeiras grandes vítimas foram os gângsteres americanos. A primeira consequência da legalização das drogas será desempregar todos os traficantes. Hoje 80% das cadeias do Rio de Janeiro são ocupadas por traficantes. Se você legaliza, você direciona melhor o dinheiro que a sociedade paga para manter na ociosidade 22 mil presos em razão das drogas.
Mas a liberação não poderia incentivar o consumo?
Oficializando-se a venda de drogas através de drogarias, você pode controlar o consumo e criar tributos para um fundo direcionado para educação e tratamento dos usuários de drogas. Você vai trabalhar na prevenção, impedindo que as pessoas se viciem, porque as pessoas se viciam geralmente por falta de informação dos malefícios das drogas. E o que a proibição gera? A busca da viagem proibida. O que a sexualidade irresponsável gera? Gravidez prematura e doenças contagiosas. Uma pessoa que discute o sexo na família, na escola, vai usar o sexo de maneira sadia. Uma pessoa que tiver a informação sobre os malefícios da droga vai evitar usar drogas. E isso é tão verdade que hoje no Brasil, um país tabagista, as pessoas estão deixando de fumar cigarro pela educação.
Recentemente o senhor justificou sua posição em um artigo do Jornal do Brasil citando que o país tem a quarta maior população carcerária do mundo. Ou seja, apenas a repressão não está melhorando a situação?
Essa repressão é promovida pela proibição. E mesmo com toda essa proibição há quarenta anos nos EUA usavam-se muito menos drogas do que se usa hoje, e naquela época a droga era muito mais barata. É uma questão de mercado. Demonstra que a proibição estimula o uso de drogas. Nos países onde houve a liberalização controlada de drogas teve redução significativa de mortes por overdoses, redução da corrupção e de usuários de drogas, exceto maconha.
O senhor não teme que a liberação deixe o mercado das drogas ainda mais acirrado e continue provocando guerras entre facções rivais?
Como foi que o governo combateu o jogo? Oficializando o jogo. Hoje quem é o maior banqueiro de bicho do Brasil? A Caixa Econômica Federal. O que nós tínhamos antes? Bicheiro matando bicheiro. Hoje nós não temos mais isso. Os últimos bicheiros que matavam bicheiros foi a geração que sucedeu o Castor de Andrade. O governo bancou o jogo. Se o governo bancar o controle e o comércio dos narcóticos vai arrecadar uma carga tributária enorme, assim como arrecada no álcool e no fumo. O governo vai poder direcionar essa carga para tratamento e prevenção do uso de drogas. Está provado para todo mundo que um país se desenvolve pela educação e não pela repressão. Todos os Tigres Asiáticos que investiram em educação cresceram e se desenvolveram. Por que o nosso país é pobre economicamente? Porque não investe em educação. Eu não estou propondo apologia às drogas. Pelo contrário. Estou propondo uma maneira eficiente de combater as drogas.
Como funcionaria a liberação? Como seria a dinâmica dessa situação?
A idéia parece piada, mas é criar uma “Drogasbrás”. Ou seja, criar um instituto vinculado ao Ministério da Educação em que o próprio governo controle a venda, e que ela seja feita através de prescrições em farmácia e drogarias. A própria palavra fala. Drogarias. Inclusive nós já compramos drogas em drogarias, drogas proibidas, pois há aquelas que só podem ser obtidas com prescrição de tarja preta passada pelo médico. É um mercado.
O senhor já experimentou drogas?
Eu nunca quis, nunca experimentei. Embora tivesse acesso como estudante. Nunca penso experimentar porque eu tenho a real consciência dos malefícios das drogas.
Se um filho seu quiser experimentar?
Eu vou falar com ele, vou mostrar para ele os malefícios que a droga faz, vou apontar os caminhos certos, instruí-lo pedagogicamente e educar para que ele evite drogas, álcool e cigarros. Tenho consciência dos malefícios destas substancias.
Usuários que possuem dinheiro suficiente poderão comprar drogas controladas nos estabelecimentos autorizados, mas a classe mais pobre não vai continuar comprando drogas de traficantes nos morros?
Isso é inevitável. Isso vai acontecer, porque hoje você compra um CD na loja por R$ 40 e no camelô por R$ 5. Mas isso não é resultado da proibição, é consequência do mercado capitalista e consumidor.
Uma pesquisa divulgada pela secretaria Municipal de Assistência Social constatou que 80,9% dos quase 800 meninos de rua consomem crack. Sendo que em 2005 era de 13%. Houve uma substituição da cola de sapateiro pela pedra de crack. Qual a sua avaliação sobre essa epidemia de crack na cidade do Rio de Janeiro?
O consumo de crack não é resultado do preço ou da proibição, mas sim de políticas públicas. É preciso ter recursos direcionados dos orçamentos para tratar melhor essas crianças, que estão usando crack porque têm fome. Crack engana o estômago, como o álcool. O erro não é 80% usarem crack. O erro é ter população de rua. E por que tem? Porque não há políticas públicas de apoio às famílias e de valorização da educação.
Em quanto tempo seria possível levar adiante essa dinâmica de legalizar as drogas?
Quando eu falo em legalização eu não falo de um dia para o outro baixar um decreto. Isso tem que se discutir nas Universidades e com a saúde pública.
Que resposta o senhor dá àqueles que dizem que defender a legalização é apologia ao crime?
Eu não defendo nem a droga, nem o consumo e nem faço apologia. Minha proposta é contra as drogas e contra também a hipocrisia da proibição. Eu sou contra a violência no combate às drogas. Violência não resolve nada. Eu sou à favor do combate às drogas através de processos educacionais. Nós temos no Brasil, reconhecido no mundo inteiro, o melhor programa de combate às consequências do HIV. Fizemos o melhor programa de prevenção ao vírus, copiado no mundo inteiro. Dizem que o Brasil não está preparado para isso. Como não? O Brasil dá exemplos de eficiência em muitos programas.
Como funcionaria a sua sugestão de liberação dos presos sentenciados por crimes de drogas leves?
É uma consequência da legalização se houvesse um decreto ou lei declarando que a venda de drogas deixa de ser crime. Aqueles que cometeram outros crimes em razão da guerra das drogas, é que terão que responder por eles.
Mas haveria necessidade de acompanhamento destes ex-detentos?
No começo seria um pouco caótico, mas você criaria um programa e aproveitamento dessa população carcerária em trabalhos comunitários. Aliás, nos EUA tem um programa bem interessante em que o juiz negocia com os traficantes, aqueles que foram condenados, e substitui a pena privativa de liberdade pela obrigação de fazer um tratamento. Você assina um termo e é monitorado. Tem que fazer coleta de urina para provar que não está usando droga. Isso é melhor do que deixar uma pessoa na ociosidade durante sete anos e, de repente, colocar na rua quando ela não tem mais valor moral nenhum.
Há uns cinco anos atrás nós não víamos tantos menores se drogando com crack nas ruas. Esse problema está sendo importado de São Paulo? Foi falta de acompanhamento do Estado? A que o senhor atribui isso?
O crack foi uma negociação de mercado. Isso é de conhecimento público. Enquanto interessava ao mercado das drogas que o crack não entrasse aqui no Rio, porque era uma droga barata, não entrou. Não foi porque a polícia foi eficiente. Foi porque os traficantes decidiram que o crack não entraria no Rio de Janeiro. Quando esse acordo foi rompido, quando começou a política de enfrentamento, o mercado viu-se cercado para acessar as drogas mais tradicionais e se abriu para as mais baratas. O crack é ainda mais barato que a cola de sapateiro. E mais devastador.
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