domingo, 16 de janeiro de 2011

Relato de um Repórter que virou personagem na terceira maior tragédia do mundo.


Fui chamado pelo portal iG na noite de quinta feira (13) para realizar a cobertura jornalística da enchente que havia destruído parte do município de Nova Friburgo na Região Serrana do Rio de Janeiro.

Como de costume topei o desafio me despedindo de minha família e com o coração na mão, pois meu filho estava doente, com uma febre de 39ºC. Na madrugada de sexta- feira, Paulo, o motorista, me aguardava na porta de minha casa. Partimos para Ilha do Governador para pegar Urbano Erbiste, fotógrafo.

Chegamos à Nova Friburgo no inicio da manhã, e o que vi foi um caos generalizado: postos de gasolina com filas gigantes, parte da cidade sem luz e água.
Fomos para o centro acompanhar o atendimento do Hospital de Campanha dos Bombeiros, e como cartão de visita veio uma informação “a Represa de Conselheiro Paulino se rompeu, a água está chegando”. Vi pessoas caindo, quem estava dentro do ônibus saindo pela janela, mulheres se refugiando e gritando. Homens do Corpo de Bombeiros e policias também correram para se proteger na hora do alarme. Registrei tudo em minha máquina, e combinei com o Urbano, se a enxurrara chegar pulamos para a carreta.

Pensei rapidamente no filme 2012 - O Ano da Profecia, o fim do mundo na cultura dos antigos povos Maias. Veio a informação que tudo não passava de um enorme boato, graças a Deus !!! Para onde eu olhava só via destruição, lojas com mais de um metro de lama, comerciantes estáticos sem saber o que fazer, e a população buscando alimentos sem sucesso.

Um senhor me abordou com uma pergunta: ‘vocês estão achando que aqui está ruim ? Então vão para a área rural de Córrego Dantas”. Partimos para lá, atualizando as informações no portal iG e na Rádio Manchete.

Chegando na BR-130, rodovia que liga Friburgo a Teresópolis, o cenário era de um terremoto, postes caídos, carros em cima de casas, pedras de mais de 5 metros no meio da pista, voluntários tentando organizar o caos. Sem acesso de carros pedi carona para motociclistas e priorizei as fotos, Urbano subiu em uma moto e partiu para o Córrego Dantas e Campo do Coelho, fui logo atrás.


Tudo que eu tentar relatar aqui não vai chegar próximo do que realmente eu vi, montanhas partidas, bairros que desapareceram, pessoas famintas, hospitais e fábricas destruídas.

A todo o momento pessoas nos abordavam tentando nos levar aos lugares aonde estavam os corpos. Sem a ajuda do Corpo de Bombeiros, o jardineiro Odair da Silva resgatou os corpos do pai e da madrasta que estavam soterrados na comunidade de Pilões. Odair disse que deixou os corpos na beira da estrada após o resgate, "Tá lá, meu pai e minha madrasta, tudo na beira da estrada”.

Estava anoitecendo e chovendo, retornamos para o hotel para um banho e alimentação, confesso que não consegui dormir. Urbano, um profissional com mais de 15 anos de experiência, com passagem pelo Haiti e outras catástrofe, teve que tomar um calmante. Tentei poupar o máximo o nosso motorista Paulo, não permitindo que ele fosse nessas áreas, ele tinha que estar ligado nas estradas, ou o que restaram delas, resultado ele dormiu bem.

Levantei muito cedo no sábado, acordando os colegas para um café e sair para mais um dia, fizemos uma parcial do Hospital de Campanha, falei com o Vice Governador e partimos mais uma vez para o Córrego Dantas e Campo do Coelho, havia uma informação que uma colônia de férias tinha sido soterrada com 60 crianças, o que graças a Deus não se concretizou.

Achamos uma equipe de voluntários e para minha surpresa quem estava dando um copo de suco e um sanduiche era um homem acostumado em conflitos armados e de fala firme, Sargento Max, da comunicação do Bope. Ele havia saído de serviço se juntou a mais 4 pessoas, compraram caixas de sucos, pão, queijo e presunto e organizaram um fila de aproximadamente 50 pessoas para dar o lanche.

Encontrei D. Celina de 65 anos, que havia perdido tudo, “meu filho, isso não foi uma enxurrada, moro aqui há décadas, isso foi um terremoto” disse a senhora com fome, mas sorridente, agradecendo a Deus por estar viva. Confesso que pela primeira vez fiquei emocionado, pedi para o Paulo pegar um amarrado de água mineral para dividirmos com eles.

Acompanhamos o Bope em mais uma missão, no bairro da Prainha, mais um cenário de terror. Uma vila de casas destruídas, bairro de poder aquisitivo alto com casas belíssimas no chão, pelo menos 20 famílias moravam lá. Nove foram resgatadas com vida, pelo menos 40 mortos.

Neste bairro a mais chocante cena que já vi na minha vida, uma laje onde estava sendo comemorada uma festinha de criança na noite de terça feira. Entre os escombros, a mãe de duas meninas aos prantos pedindo para retirar os corpos, no chão, roupas pedaços de tênis e bonecas. Uma equipe de TV Globo estava lá tentando gravar uma passagem, uma colega super experiente pegou no meu ombro e chorou copiosamente, “não da para segurar, isso é a coisa mais triste que já vi”. Choramos juntos. O cenário era de um terremoto, Urbano pegou uma pá colocou a máquina fotográfica no pescoço foi para cima do morro com homens do Bope retirar os escombros, eu não conseguia sai do lugar. Respirei e fui pegar depoimentos, pois tínhamos que sair rapidamente do lugar, bombeiros nos alertaram que com a chuva o solo estava cedendo. Sem provocar pânico saímos devagar com cuidado para não afundarmos na lama.

No retorno ficamos ilhados na RJ-130, chovia muito e várias barreiras interditaram a rodovia, após algumas horas foi liberada uma faixa de rolamento, o rio que corta a estrada havia transbordado novamente, o que havia sido limpo já estava sujo novamente, não dava mais para ficarmos ali.

Depois de esperarmos mais de duas horas para liberação da RJ-116 por conta do asfalto que estava cedendo, enfim, retornamos para o Rio.

Estou escrevendo isso em uma forma de “desabafo”. Amo a minha profissão, mas não vou esquecer isso tão cedo. Peço que orem, rezem, mentalizem, o povo da Região Serrrana precisa dessa força.