
Não é tarefa simples adaptar um livro para as telonas. Embora caminhem em estradas convergentes, literatura e cinema possuem características bem singulares. Logo, num piscar de olhos, pode-se transformar uma bela história em um filme decepcionante ou que não alcança o poder do original em papel. A missão é ainda mais complicada quando este livro possui fãs incondicionais (O Poderoso Chefão, O Senhor dos Anéis, Harry Potter). Agora, imaginem a complexidade do problema quando a obra é de teor religioso.
É o caso de Nosso Lar, baseado na obra espírita psicografada pelo médium Chico Xavier na década de 1940 e que já vendeu mais de 2 milhões de exemplares. A história gira em torno do médico André Luiz (nome fictício, como o próprio livro destaca), que após morrer se vê em um lugar conhecido como Umbral - região gerada pela psique dos espíritos que precisam resgatar seus erros - onde permanece por quase uma década. Após sofrer as mazelas da inóspita região, ele é levado para a colônia Nosso Lar, onde precisa aprender a servir para progredir, numa caminhada de autoconhecimento e evolução.
Nas mãos do pouco conhecido diretor Wagner de Assis, Nosso Lar é um filme competente na idéia de entreter. Ostentando um orçamento de 20 milhões de reais (o mais caro da história do cinema nacional), o longa apresenta um resultado surpreendente na precisa e caprichosa direção de arte, assinada por Lia Renha, e nos efeitos especiais, exportados da Intelligent Creatures, responsável por Babel e Watchmen, que não soam toscos, felizmente. E se a fotografia não é ousada, ao menos dividi bem suas cores entre o cinza macabro do Umbral, o amarelo envelhecido ao retratar o passado e o azul e branco da colônia. As críticas que a produção vem recebendo às formas arquitetônicas, inspiradas abertamente no estilo Oscar Niemeyer, são absurdas, pois seria o mesmo que dizer que o trabalho de Niemeyer é cansativo.
Escrito também por Wagner de Assis, que deveria ter dividido a tarefa com outro profissional, Nosso Lar cumpre bem o seu papel, sem desabar uma avalanche de informações que atrapalharia a percepção do espectador, mas demora a engatar a quinta marcha, principalmente no segundo ato. Cortes abruptos na edição e cenas que não dizem nada à história ajudam a deixar o longa irregular na segunda e terceira meia hora de projeção. O roteiro tropeça também na construção de alguns personagens. Se em alguns casos os diálogos se encaixam, em outros ficam vazios e sem função. Se ora consegue fazer graça neste ou naquele momento, ora a fala dos atores soa pedante. Exemplo disso é quando um jovem morador da colônia espiritual, ao avistar um grupo de recém-chegados, diz sorrindo “esse não é o céu que vocês pediram, mas vamos ajudar todo mundo” ou quando André ouve de um amigo que no mundo há os descrentes que “são ateus, graças a Deus”.
Curioso observar que, se no sucesso de bilheteria Chico Xavier – O Filme o elenco dava fôlego a um roteiro que tinha o mesmo problema de ritmo, aqui não é o que observamos. O veterano ator Renato Pietro, acostumado em atuar em peças teatrais com temática espírita, demora um pouco para encontrar o timing de André Luiz, mas vai se soltando no decorrer da projeção, mostrando a evolução do médico na sua luta espiritual. Werner Schünemann oferece aqui um Emmanuel mais carismático que o austero Emmanuel de André Dias em Chico Xavier. E é uma pena (nunca uma falha da produção) que grandes atores como Paulo Goulart, Selma Egrei, Othon Bastos e a querida Chica Xavier (estigmatizada como empregada sábia, o que é lamentável) não ganhem mais espaço.
Por fim, a trilha sonora do americano Philip Glass emociona e conforta, se desequilibrando apenas nas cenas de maior tensão, como se diretor e maestro não tivessem entrosado o suficiente.
Nosso Lar não é um filme inovador (e quem disse que a intenção era essa), mas diverte o espectador. O longa não se perde em uma infinidade de clichês que poderiam ter acabado com a história. Talvez o mais importante de todos esteja em não tentar passar lições de morais no final da projeção. A conclusão que se tem ao sair do cinema é de que simplesmente assistimos a um homem em sua luta particular por evoluir e amar. Crer que aquilo é ficção ou real, absorver ou não para a própria vida, isso depende de cada um.
Escrito por Daniel Gonçalves